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Bookish by the sea

Bookish by the sea

Ler em dias de chuva (e uma vontade imensa de desconectar)

Cláudia, 07.03.23
doomscrolling /ˈduːm.skrəʊ.lɪŋ/:
ato de gastar muito tempo a olhar para o telefone ou computador a ler notícias más ou negativas
(by Cambridge Dictionary)

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Recentemente tenho passado muito tempo a pensar neste conceito...

 

Como muitas crianças e adolescentes que cresceram no apogeu da afirmação das redes sociais, entrei de forma demasiado natural e irrefletida nestas plataformas. Era lá, através do computador familiar, que contactava com os meus amigos depois da escola.

Com o tempo, esta passou a ser uma fatia cada vez maior da minha vida... Ao ponto de o meu primeiro contrato de trabalho ser mesmo para gerir as redes sociais de uma empresa.

E esse foi o verdadeiro ponto de viragem. Ganhei uma certa alergia a esse mundo e torneu-me aversa a novas plataformas, embora continua a sentir-me refém das antigas.

Infelizmente, pela atividade profissional que desenvolvo, sair das redes sociais ou não estar a par das notícias não é um opção. Ainda assim, o tempo que gasto agarrada a um ecrã, sobretudo do telefone, podia ser em muito reduzido.

Recentemente tenho estado a ouvir o podcast Land of the Giants, da Vox Media. Mais especificamente, estou a ouvir  segunda temporada sobre a afirmação da Meta - e das suas multiplas aplicações - no mundo tecnológico. E há um episódio em especial que me ficou na cabeça. Tratava a questão dos algoritmos. 

Com todas as modificações (e com apps como o Instagram e Facebook a copiarem cada vez mais o Tik Tok) estamos a afastar-nos cada vez mais do conceito de rede social original. Agora, mais do que nunca, estas plataformas estão a perder o social em detrimento do entertenimento. 

Façam o teste! No outro dia experimentei fazer scroll no Instagram para tentar encontrar conteúdo que não fosse patrocinado, sugerido ou de uma marca ou influencer. Desisti ao fim de 10 minutos. Nem uma única foto ou vídeo eram de pessoas que conheço ou sigo.

Lá se foi a ferramenta de conexão à família e amigos que era o seu desígnio original!

Mais do que nunca, os algoritmos obscuros estão a alimentar-nos à colher aquilo que acham que devemos ver. Não há conexão com as pessoas da nossa vida real. E tudo isto é desenhado para provocar adição. Para ficarmos horas perdidas, no sofá, a fazer um scroll apático pelo bom, pelo mau, pelo que os nossos consumos anteriores ditaram que vamos querer ver.

Se chegaram até aqui, provavelmente estão a questionar-se o que tem tudo isto a ver com livros.

Bem, a verdade é que desde o verão passado que tenho tido dificuldades em manter um ritmo de leitura. Houve uma ressaca de um livro particularmente bom, uma vida que ficou mais ocupada, a cabeça que está cansada. 

Mas no meio de tudo isto, quando sinto que não tenho tempo para nada, pergunto-me quanto tempo perdi no telemóvel? Quantas dessas horas podia ter usado para ler, fazer desporto, estar com amigos e família, ou tantas outras atividades que tanto prazer me dão? Se ao menos eu parasse de fazer scroll... se me levanta-se do sofá ou o meu primeiro impulso ao acordar não fosse pegar no telefone... se tivesse prioritarizado melhor...

Isto não é a minha carta de ódio às redes sociais...

É apenas uma reflexão "em voz alta". Uma tentativa de me obrigar a tomar uma ação e ser mais responsável com a forma como estou a gastar o meu tempo. Um pensamento partilhado para ver se mais alguém desse lado sente o mesmo...

Não quero entregar-me ao derrotismo e ao fatalismo de aceitar tudo isto...

Talvez seja este tempo cinzento que induz uma certa melancolia refletiva... Ou talvez seja a percepção de uma boa oportunidade... Afinal, haverá sentimento mais agradável do que ler um bom livro com um cobertor e uma bebida quente, enquanto ouvimos a chuva lá fora?