Fevereiro 17, 2023
Cresci com uma obsessão histórica...
Não acho que isso seja particularmente raro entre miúdos leitores.
E diria até que a minha obsessão é talvez uma das mais comuns por aí: a mitologia grega.
Culpo o Rick Riordan. Na altura, a editora onde a minha mãe trabalha começou a traduzir a coleção Percy Jackson e o primeiro volume encontrou o caminho lá para casa. Fiquei viciada desde o primeiro minuto!
Enfim, com o avançar da adolescência deixei o pico da literatura YA para trás (afinal "já era tão crescida", achava eu lol)... por isso, essa obsessão foi caindo para segundo plano.
Avancemos a cassete para o fatídico ano da pandemia... com tantas horas fechada no quarto, comecei a passar muito tempo a olhar para a estante e foi crescendo em mim a vontade de reler a coleção de Percy Jackson (algo raro em mim, que até então só tinha relido Harry Potter).
Aconteceu! E foi sem dúvida tão incrível como da primeira vez. Aqueles livros aguentaram sem dúvida o teste do tempo e já estão na minha lista de compras para dar aos meus primos mais novos!
Pois coincidiu esta viagem no tempo pessoal a uma tendência recente na indústria literária! Os retellings! De repente há livros novos baseados em mitos históricos em todo o lado! A campanha nas redes sociais é implacável!
E claro, no top dos sugeridos está sempre o mesmo título: The Song of Achilles, de Madeline Miller (traduzido para português pela Minotauro como "O Canto de Aquiles".
Não estava familiarizada com o mito, sabendo apenas que a expressão "calcanhar de Aquiles" vinha daí. Descobri que afinal nada tem que ver com o mito original como narrado por Homero na Ilíada.
E o livro é bom. Disso não há dúvida. Muito bonito. De partir o coração.
Madeline Miller faz também um uso brilhante dos presságios e deixa-nos numa viagem ansiosa pelo momento inevitável em que nos vai partir o coração.
E é incrivelmente bem pesquisado. Sabiam que a expressão "calcanhar de Aquiles" nada tem a ver com o mito original como contado na Ilíada por Homero? Eu também não.
Mas talvez um dos maiores e mais louvados feitos desta obra é a forma como aborda o romance, uma história LGBT+. Li algures uma crítica que lhe chamava uma "representação crua do amor e paixão" e não podia estar mais de acordo.
(Aquiles e Pátrocolos pintados por Gavin Hamilton)
Ao contrário do que tantas vezes é feito nas histórias que não são heteronormativas, a autora põe o romance no centro, desenvolve as personagens e a sua relação de forma realista. Sim, Aquiles e Patrócolo são homens e estão apaixonados um pelo outro. Mas Aquiles também tem falhas. O narrador, Pátrocolo, é incrivelmente empático e boa pessoa. A relação acontece e faz sentido. As personagens não estão reduzidas à sua orientação sexual.
No entanto, para mim, este livro padece de um mal que já me tinha aflingido noutras leituras, especialmente quando os livros se tornam enormes no TikTok. O entusiasmo exagerado em torno dele arruinou as minhas espectativas.
Sim, o livro é bom. Mas eu já o tinha no meu carrinho de próximas leituras há um ano e andei a adiar a leitura à espera do "momento certo". Claro que escolhi o momento errado, em que estava cheia de trabalho e por isso não consegui entusiasmar-me e ler horas a fio.
No fim, concluí inevitavelmente: sim, é muito bom, mas com tanto entusiasmo esperava mais.
Mesmo assim, não deixo de recomendar que leiam. Vale mesmo a pena. E para vos convencer, deixo a minha passagem favorita, para que dúvidas não restem da mestria da autora na arte da escrita:
But fame is a strange thing. Some man gain glory after they die, while others fade. What is admired in one generation is abhorred in another. We cannot say who will survive the holocaust of memory. Who knows? Maybe one day you even I will be famous. Perhaps more famous than you.